#12 - DEIXA EU PENSAR DRAGON BALL
- Deixa Eu Pensar
- 22 de mar. de 2024
- 4 min de leitura
Quando acordamos nunca sabemos se o que estamos prestes a viver será lembrado em algum momento do futuro.
Com a morte recente de Akira Toriyama, o criador de Dragon Ball, achei válido falar um pouco sobre sua obra trazendo algumas ideias cheias de misturas de filosofias, apenas pelo exercício de percepção de paralelos e também pela alegria de falar de um anime que foi tão marcante na minha vida e que é um legado no entretenimento mundial. Furador de bolhas. Um fenômeno que continua encantando velhos e novos públicos.
É fácil perceber que o cerne do anime é voltado para a superação de poder, principalmente em relação ao protagonista, o Goku. Já é meme o fato de ele sempre se tornar o mais poderoso do universo para vencer um desafio e sempre aparece algum novo oponente ainda mais poderoso que o anterior. Goku então precisa se esforçar para superar novamente seus limites, apenas que apareça outro ainda mais forte e esse ciclo continue se repetindo inúmeras vezes, por todas as sagas da obra.
Se levarmos essa expansão de poder físico dos personagens para o campo da epistemologia, do aprendizado e do conhecimento, podemos de cara perceber um paralelo com a ideia de Kant sobre esse tema.
É muito comum associar a explicação de Kant sobre os limites do conhecimento humano à analogia de uma ilha inexplorada onde cada nova descoberta dentro desse território significa uma expansão do conhecimento. No caso, o Ki, o poder interior de Goku é a ilha, que precisa ser explorada mais e mais para que seja possível mapear todo o seu interior, cada vez mais aprendendo e se superando.
Mas essa ilha de Kant é finita, rodeada pelo mar, cheia de desafios geográficos como montanhas e matas fechadas que impossibilitam os exploradores metafóricos de atravessar determinados percursos, impossibilitando assim a expansão do conhecimento.
Kant, filósofo alemão do século XVIII, acreditava que o conhecimento humano tem um limite. Que não conseguimos ter uma compreensão total do mundo. O que vai contra tudo que Dragon Ball se propõe a apresentar, uma evolução infinita.
O astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser, em seu livro A Ilha do Conhecimento, modifica um pouco a analogia da ilha de Kant quando fala sobre a ciência. Imagine que uma ilha no meio do mar seja o quanto a ciência conhece, ou o nosso próprio conhecimento derivado de nossas experiências e aprendizados. Conforme aprendemos, imagine que essa ilha vá se expandindo pelo mar. Perceba que o mar na analogia é o que não conhecemos, o ainda não descoberto e quanto mais essa ilha de conhecimento cresce, mais em contato com o mar ela terá, já que sua área aumentou e agora mais partes dela fazem divisa com as águas do desconhecido.
Essa analogia, muito socrática por sinal, se conecta muito melhor com a expansão de poder de Dragon Ball. Não há limites, quanto mais Goku fica forte, mais ele percebe o quanto ainda não é forte o suficiente pois descobre outros oponentes tão ou mais fortes que ele.
E essa constante superação individual vai de encontro a outro conceito filosófico muito debatido, o super-homem de Nietzsche. Esse conceito apresenta o que seria o ideal da humanidade superior de acordo com o filósofo. Ele quebra os limites sociais e se satisfaz com sua autenticidade individual. Está além de moralidades, de bem e mal, está acima de qualquer valor imposto pela sociedade. É quase que um nirvana nietzschiano. Vale lembrar que para ele, não é uma figura literal e sim um conceito idealizado que o ser humano deve buscar. E mais uma vez Goku se enquadra nesse conceito, como o ser idealizado de superioridade física de sua raça, os Saiyajins, e também superior a todas as outras raças que encontra.
Curiosamente, apesar desse super-homem de Nietzsche, com toda sua superioridade idealizada, poder parecer um pouco extremo, até arrogante talvez, conceitualmente, a personalidade de Goku abraça um outro conceito Nietzschiano que soa até contraditório ao anterior, o Amor Fati, que é a aceitação da vida como ela é, amor ao que acontece de fato, seja positivo ou negativo. Não é uma lamentação passiva, mas sim uma postura ativa em relação a tudo que experimentamos. Um conceito que lembra muito o estoicismo e que podemos perceber na personalidade do Goku em diversos momentos do anime.
Até aqui falei bastante sobre filosofia ocidental, como é o costume de quem é do ocidente e vive rodeado desses pensamentos. Mas não seria justo não trazer paralelos orientais para uma obra japonesa.
O próprio Budismo já se encaixa perfeitamente em tudo que foi levantado sobre o Goku até agora. Uma busca pela Iluminação da consciência, ou, no caso de Dragon Ball, busca pela elevação máxima de poder. Além de compaixão com os outros personagens do anime, inclusive alguns vilões, e desapego, principalmente em relação a algumas derrotas que ele sofre.
E para ir ainda mais além, um outro conceito filosófico oriental que é possível perceber também na obra é o de Bodhisattva, do Budismo Mahayana, que é um ser iluminado que renuncia o Nirvana para ajudar outros a se iluminarem também. Em alguns momentos isso é bem claro no anime e apenas como fator nostálgico, um momento desses que é muito impactante é quando Goku desiste da luta contra o Cell para deixar seu filho, Gohan, lutar, para que ele alcançasse, através da experiência, a iluminação. No caso do anime, o grau de Super Saiyajin 2.
Bom, nada do que foi falado aqui são camadas intencionais que Akira Toriyama quis passar como mensagem no desenho. É apenas uma brincadeira mental de relacionamentos de ideias. Queria fazer uma mistura de pensamentos sobre Dragon Ball assim como Toriyama fez com sua obra, misturando diversos temas, mitologias e referências para criar um universo memorável.
Toriyama criou uma obra prima que vai acompanhar e ser a referência para várias gerações por muitos anos.
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